O escritor Daniel Munduruku é uma das vozes mais ativas na divulgação da história dos povos originários, principalmente na escrita de livros voltados às crianças e aos jovens. Em mais de 50 títulos publicados, alguns deles traduzidos para outros idiomas, resgata as tradições de inúmeras comunidades indígenas de todo o país, oferecendo aos leitores um contraponto ao que normalmente se aprende na escola sobre esses povos. Em uma conversa franca para o projeto “A arte de fazer livros”, Munduruku comenta a importância das artes para a preservação da cultura das populações indígenas e reflete sobre a formação da juventude a...
A linguagem do indizível
A literatura de Marina Colasanti é a da construção mágica de universos por meio de uma poética muito particular. Autora de mais de 50 livros de diversos gêneros literários e tradutora de muitos outros, recebeu prêmios nacionais e internacionais, como o Prêmio Ibero-Americano SM de Literatura Infantil e Juvenil, e foi indicada ao Prêmio Hans Christian Andersen. Em entrevista ao projeto “A arte de fazer livros”, ela repassa a sua carreira, conversa a respeito do processo criativo de suas obras, debate o papel fundamental das bibliotecas comunitárias na formação de novos leitores e reflete sobre o futuro da literatura. Quando...
O Brasil pela imagem: a ilustração de livros e o passado colonial
Ao iniciarmos este texto sobre o longo trajeto das imagens narrativas em nossos livros para crianças e jovens, temos que excluir, antes de tudo, mas sem ignorá-los, os traumas de um passado colonial, que dão margem às depreciadoras comparações tão comuns, como ao se dizer que, enquanto na Inglaterra, em 1789, William Blake publicava o livro Canções da inocência, uma obra referencial no que tange à relação entre palavra e imagem, nós amargávamos na época, diferentemente das colônias hispânicas, a proibição do uso da impressão tipográfica. É verdade que esse entrave cultural se prolongou por três séculos, por todo o...
Pensando com traços
O ilustrador e escritor brasiliense Roger Mello é um desbravador das linhas e das formas. A sua produção ficcional é resultado de inúmeras experiências estéticas e também de suas reflexões sobre a construção da imagem e a sua relação com a palavra. Premiado com o Hans Christian Andersen, o mais importante para a literatura infantojuvenil no mundo, é um sujeito eloquente e estudioso, capaz de transformar as suas viagens em literatura. Da inquietação tão íntima nasce o desejo de compartilhar seus pontos de vista e suas elucubrações sobre as voltas que dá ao redor do mundo. Roger Mello é mais...
A literatura, o chamado “universo infantil” e a vida mesmo
Aproveito este espaço para apresentar alguns pontos e dúvidas que têm sido importantes para mim, não só como autor de livros para crianças e jovens há mais de vinte anos, mas também como pessoa tentando compreender a vida e o mundo. Nossa tradição cultural tem pressuposto a existência de um “universo infantil”, que se configura em oposição a outro, o “universo adulto”, ambos tratados como fatos naturais, nítidos, lógicos e indiscutíveis. São conhecidas as diferenças entre adultos e crianças: adultos costumam ser capazes de pensar abstratamente; podem ter maior capacidade de concentração e de trabalho; fisicamente são mais fortes do...
Em busca do texto potencial
A produção artística de Aline Abreu é movida pelos gestos e pelas sensações que envolvem as páginas dos livros. As texturas, as cores e os detalhes são elementos fundamentais para compor as suas histórias. Com uma carreira que se desdobra a partir das artes visuais, a artista – chamá-la de “autora” ou “ilustradora” poderia criar um certo reducionismo – construiu um modo muito próprio de fazer livros, explorando as espacialidades da página e as muitas interpretações da palavra. Seus livros estão para além de uma leitura literária em um sentido mais estrito e se revelam como um olhar para o...
A ilustração do livro de literatura infantil no Brasil: um brevíssimo panorama
De acordo com o professor, pesquisador e ilustrador Rui de Oliveira (2008, p. 65-66), O patinho feio, publicado em 1915, é considerado o primeiro livro infantil ilustrado e editado em quatro cores no Brasil, destacando ainda que, na data da publicação, não constava na capa o nome do ilustrador Francisco Richter, mas apenas o do escritor Hans Christian Andersen e do coordenador da coleção Arnaldo de Oliveira Barreto. Além disso, Oliveira (2008, p. 65-66) enfatiza que as ilustrações, “já naquela época, tinham uma comunicação não linear, própria da linguagem imagética”. A crítica literária Laura Sandroni (2013, p. 13) acrescenta que...
Um exercício de criatividade e empatia
O mineiro Leo Cunha é um escritor profícuo: em três décadas de literatura, já produziu mais de 70 livros, incluindo títulos infantis, juvenis e colaborações. O segundo entrevistado do projeto “A arte de fazer livros” tem a fala mansa, mas afiada, e o jeito traquina de quem conhece bem as crianças. Mergulhando no universo dos pequenos, construiu uma obra que atravessa os mistérios e os encantamentos, que valoriza as descobertas e as amizades. Seus livros são, antes de tudo, um exercício de criatividade e empatia. O escritor – organizador e tradutor de Balada da estrela e outros poemas, de Gabriela...
O atrativo e o nutritivo: fatiando ideias sobre livros, leitores e escola
Vivemos numa sociedade de consumo e, em nosso contexto, numa época de excessivo culto ao corpo – corpo que se alimenta cada vez menos. Se pensarmos na leitura, não é diferente. Levar o texto literário para ser saboreado pelas crianças em tempos de dieta é um grande desafio – função, em grande parte, desempenhada pelos professores. São eles que necessitam estar bem informados para propiciar uma refeição nutritiva aos seus alunos, não só dos clássicos, mas também das novas publicações que o mercado editorial apresenta. Essa oferta começa na seleção dos ingredientes. Como são escolhidos os livros para as crianças?...
A poesia da imagem
A obra literária de Odilon Moraes, o entrevistado deste episódio do projeto “A arte de fazer livros”, se constrói e se desdobra para além das imagens. O artista é um leitor ávido e um dos principais nomes do livro ilustrado no Brasil, um formato que, apesar de recorrente na Europa e nos Estados Unidos, ainda tem buscado o seu espaço por aqui. Autor de Rosa, publicado pela Olho de Vidro e vencedor dos prêmios FNLIJ e João-de-Barro, Odilon Moraes falou sobre a descoberta da ilustração, o processo criativo e a ideia de silêncio que percorre os seus livros. Você costuma...
A arte de fazer livros
O escritor argentino Jorge Luis Borges costumava dizer que o paraíso só poderia ser um lugar parecido com uma biblioteca. Sentimental, ele acreditava que entre as tantas prateleiras estavam todos os mundos possíveis. Assim descreveu o universo em “Biblioteca de Babel”, espécie de conto-síntese do pensamento borgeano. Entretanto, o que esqueceu – ou não mencionou, pois conhecia como poucos os segredos que rondam os livros – é que não existiriam as bibliotecas não fosse quem publicasse os livros. Em algumas vezes invisíveis, e em outras uma chancela de qualidade para as obras que compõem seu catálogo, as editoras são peças-chave...
Excesso de gentileza
Dona Margareth de Fátima sentia indisfarçável orgulho da estante que ornamentava a grande sala de estar do apartamento com sacada no décimo segundo andar, de onde se avistava a praia internacionalmente famosa quase de uma ponta à outra. Era um móvel de linhas modernas, clean, todo feito de vidro fosco com encaixes de metal dourado nos ângulos das prateleiras, folhas de sutil cristal que se elevavam do piso ao teto.
O pulo da manga e a carta do gato
"Estou escrevendo um livro e não sei como publicar." Já perdi a conta de quantas vezes escutei isso nos últimos vinte anos. São pessoas que desejam o caminho das pedras, o pulo do gato, a carta na manga e imaginam que eu já dominei todos esses clichês, pois estou envolvido no mundo editorial há bastante tempo. Curiosamente, a maioria das pessoas que me faz a tal pergunta deseja publicar obras em áreas sobre as quais eu não entendo patavina: um guia sobre educação financeira para crianças, um livro sobre como organizar as gavetas e prateleiras, um manual de costura inspirado...
O novato
A sala de aula era governada pela bagunça. Sobre as carteiras, o material escolar e as mochilas, desordenados, aguardavam o silêncio e os inevitáveis trabalhos que viriam a preencher as horas daquela manhã de sol. Os alunos, ah! estes eram massa confusa de falas, risos, gritos e, de vez em quando, xingamentos e gestos rudes. Nada parecia durar para sempre. Ou melhor, tudo duraria até a chegada do novo professor. Ricardo, o mais destemido, já conseguira algumas informações sobre ele. Diziam que era severo. Diziam que era simpático. Diziam que era disciplinador. Ninguém da sala acreditou. Naquele território mandavam os...
Literatura infantil (1)
Várias coisas estão me conduzindo ao tema da “literatura infantil”. Primeiro os celebrados centenários de Andersen e Verne. Depois o fato de ter chegado a mim o livro da espanhola Gemma Lluch, Cómo analizamos relatos infantiles y juveniles (Norma Editorial, Espanha, 2004) – uma bela tese onde disseca não só as produções clássicas do gênero, mas estabelece correlações com a indústria cinematográfica de Disney a George Lucas. Em terceiro lugar, ter ganhado da escritora e mestra Elza de Moura, que foi discípula de Helena Antipoff, uma apostila mimeografada com um histórico texto datado de 1943, escrito por Lourenço Filho –...