Sempre tive mãos vorazes. Gulosas. Curiosas. Gosto de tocar nos objetos, sentir as texturas, os materiais, o calor ou frio das coisas. Me dá muita aflição entrar numa loja cheia de placas do tipo “favor não encostar” ou “não mexer nos artigos expostos”. Não esqueço uma vez que entrei numa loja de instrumentos musicais e deparei com a inacreditável placa “proibido tocar”.
Nas livrarias, detesto esses livros que vêm plastificados e não deixam a gente dar uma mísera folheada. Até entendo uma livraria virtual que vende os livros lacrados, “imexíveis” (como dizia, nos anos 90, um ministro do governo Collor). Mas, numa loja física, a decisão de impedir o leitor de mexer na “mercadoria” me parece um insulto. Me recuso a comprar um livro assim.
Um livro plastificado esconde da gente um punhado de informações riquíssimas. Qual a espessura da capa e das páginas? O livro tem orelhas? O que vem escrito nelas? Tem alguma pulga atrás das orelhas? Como o livro é encadernado? Costurado com linha, colado, grampeado? No caso dos livros infantis – meu campo principal de trabalho –, como o ilustrador e o designer resolveram a questão das dobras, as imagens que passam de uma página para a outra? Algo foi engolido ali?
Não é à toa que aproveitei essas sensações num poema que publiquei no livro Viva-voz!, da editora Positivo. O poema é assim:
LOBO
Eu tenho medo da boca
do lobo na capa do livro.
Eu tenho medo da fuça
do lobo na orelha do livro.
Eu tenho medo do lobo
que mora na dobra do livro.
Eu vou fechar o olho
pro lobo não me ver.
Ah, quem aguenta esse pudor sem sentido dos livros plastificados? No extremo oposto, sou fã das lojas da Apple, que se espalharam pelo mundo calcadas na filosofia do fique à vontade pra encostar, pegar na mão, mexer, experimentar. A astuta empresa americana (que produz quase tudo na China e arredores) confia no próprio taco (e toque): quem manuseia um de seus celulares, tablets ou computadores tem muito mais chance de se deixar seduzir e, portanto, de comprá-lo.
Mas cá entre nós: tablet nenhum, smartphone nenhum supera o prazer de fuçar os livros. E eu digo fuçar tanto no sentido literal – de meter as fuças, sentir o cheirinho de tinta, de papel novo, de gráfica, ou até o odor meio embolorado de um livro antigo, num sebo – quanto no sentido figurado, de escarafunchar as estantes de uma livraria, bisbilhotar as prateleiras. Toda livraria é uma bisbilhoteca!
Imagem: Ekaterina Panikanova.