Tonino Guerra voltava para sua aldeia depois de velho. Mais de trinta anos a respirar o ar de Roma e então, um dia, como na infância antes da guerra, as montanhas, o canavial, o rio, o mel das abelhas selvagens. Conhecia de menino o vale do Marecchia e com alma de menino foi arrepanhando suas histórias. A vida, sendo simples, levava a imaginar. Um copo com água de chuva e a alma do menino sente o gosto dos relâmpagos.
Tonino escrevia em dialeto romagnolo pequenos contos como se fossem cantos, fábulas com nuvens de borboletas, velas acesas, folhas verdes, folhas secas, sinos que tocam em igrejinhas esquecidas pelas montanhas de Emilia Romagna. Escrever em dialeto era sua senha de acesso a uma outra civilização maravilhosa, de gente simples, dias longos, estradas com madonas e marcas de cascos de ovelhas, casos de amor com cerejeiras, cadeiras encostadas às janelas e andorinhas nos fios de luz.
Os relógios avariados, o velho conta o tempo feito um monge, seguindo o rastro do sol pelos objetos da casa, deduzindo a hora do dia pelas coisas que brilham. Uma rosa desbotando-se num copo e ele se senta para assistir a essa morte.
Há os fatos extraordinários do livro da vida de Tonino, os primeiros poemas num campo de prisioneiros italianos na Alemanha, a parceria com os gigantes do cinema, o amor pela Rússia como uma segunda pátria, os trinta e sete anos ao lado de Eleonora, sua Lora. Mas ler Tonino Guerra é fantasiar a partir de muito pouco. É estar a pé numa estradinha remota e parar para ver uma carreira de formigas levando lascas de pétalas nas costas. Ver o sol que baixa do lado dos montes, a lua que sobe do lado do mar. Estar a pé numa estradinha remota e de longe ser seguido por um cão azul.
Imagem: Museu I Luoghi dell’Anima, Pennabilli, Itália.