Tinha plena consciência de que estava vivendo seus últimos dias. A doença que o consumia se recusava a sujeitar-se a qualquer tipo de tratamento. Ele não lamentava nem sofria por isso. Racional até a raiz dos poucos cabelos que lhe restavam, um espírito forjado pelos golpes duríssimos do malho da existência, aguardava com estoica paciência o evento inevitável. Já se desfizera de sua rica biblioteca, acumulada ao longo de mais de meio século. Inútil agora, tinha sido transportada em numerosos caixotes, doada à universidade local. Só conservava em casa, por um sentimento de orgulho que ele mesmo considerava pueril, quase...
Muito além da Noruega
Marcos Bagno revisita a própria infância para nos contar a história do encontro apaixonado com a coleção de livros grossos e pesados que a mãe encomendou para a estante de casa: “E ele navega da Noruega até a Pomerânia, imóvel, por longas horas, enquanto as palavras lhe entram pelos olhos, filtradas pelas lentes dos óculos, e se instalam como podem na praia virgem em que caem.”