Conheci recentemente a pesquisa da professora Regina Dalcastagnè, da UnB, dedicada a estudar e classificar os modelos sociais construídos pela literatura brasileira contemporânea. Ler os resultados da pesquisa foi como olhar para um espelho... mas, ao mesmo tempo, para uma lente côncava, que nos mostra tudo invertido. Por um lado, eu me senti o retrato cuspido e escarrado do típico escritor brasileiro. Afinal, como relata a professora Regina, 72,7% dos escritores são homens, 93,9% são brancos, 78,8% possuem ensino superior, 36,4% são jornalistas (a profissão mais presente). Sou um clichê ambulante, concluí. Carrego todas as características listadas acima. Para piorar,...
Consultório editorial (1)
Minha mesa de trabalho é a oficina do Ão, do Cujo, do Sem Nome. Papéis de todos os formatos, em blocos ou avulsos. Textos fotocopiados e encadernados com capas de muitas cores, espirais, grampos e prendedores. Livros impressos – alguns bem mal-impressos – de diferentes espessuras, de formatos os mais estapafúrdios – muito grandes, diminutos, redondos, com ou sem vazados, em tecido e plástico... Por dentro, ilustrações que vão do desenho medíocre ao regular, do figurativo ao geométrico, de Da Vinci a Romero Britto. Enfim, a mixórdia habitual da mesa de um editor de literatura para crianças. Esqueci de incluir...
Excesso de gentileza
Dona Margareth de Fátima sentia indisfarçável orgulho da estante que ornamentava a grande sala de estar do apartamento com sacada no décimo segundo andar, de onde se avistava a praia internacionalmente famosa quase de uma ponta à outra. Era um móvel de linhas modernas, clean, todo feito de vidro fosco com encaixes de metal dourado nos ângulos das prateleiras, folhas de sutil cristal que se elevavam do piso ao teto.