“Estou escrevendo um livro e não sei como publicar.” Já perdi a conta de quantas vezes escutei isso nos últimos vinte anos. São pessoas que desejam o caminho das pedras, o pulo do gato, a carta na manga e imaginam que eu já dominei todos esses clichês, pois estou envolvido no mundo editorial há bastante tempo.
Curiosamente, a maioria das pessoas que me faz a tal pergunta deseja publicar obras em áreas sobre as quais eu não entendo patavina: um guia sobre educação financeira para crianças, um livro sobre como organizar as gavetas e prateleiras, um manual de costura inspirado nas lições de uma sábia avó, um compêndio sobre alimentação saudável. Acho que não pediriam conselhos se vissem minha conta bancária, meu armário caótico, minha inabilidade com uma agulha ou meu carrinho de supermercado.
Seja como for, eu fico constrangido em desapontá-los. Afinal, geralmente são amigos, alunos, vizinhos, gente bacana; quase nunca é alguém que me achou aleatoriamente no Google ou no LinkedIn. Então dou um jeito de elencar algumas dicas com base em minha vivência na literatura infantojuvenil, misturada com a experiência de crescer como filho de livreira e editora, e ainda algumas pitadas de bom senso, o que nunca é demais.
Dou dicas do tipo:
* passe algumas horas numa boa livraria e veja quais são as editoras que têm publicado manuais de costura inspirados em avós sábias ou guias de finanças variados. É para essas editoras, de preferência, que você deve enviar seu material;
* veja se já existe algum livro parecido com o que você está pensando em publicar. Em caso positivo, tente mudar um pouco o seu foco, tornando-o mais específico ou mais geral;
* revise seu texto com a borracha na mão (ou sem medo da tecla “delete”) e tente cortar 10% do que escreveu. É mais ou menos isso que o Stephen King recomenda em seu ótimo Sobre a escrita, e, mesmo que ele esteja falando de literatura de terror, acredito que o conselho vale para qualquer livro;
* não desanime se a primeira editora recusar seu texto. Lembre que J. K. Rowling viu seis editoras devolverem os originais de Harry Potter. Os Beatles levaram quatro ou cinco portas na cara antes de gravarem seu primeiro disco. Costumo acrescentar, brincando, que a bíblia também foi rejeitada por três igrejas antes de ser aceita pela igreja católica, mas parei de dizer isso porque, para meu espanto, muita gente levava a sério.
Aliás, acho que a dica mais importante é esta: se você realmente quer publicar seu livro, não desanime com as primeiras críticas ou rejeições. Pelo contrário: aproveite para ver o que realmente pode e precisa ser melhorado. E tente de novo. Afinal de contas, publicar um livro é uma daquelas coisas míticas – como ter um filho e plantar uma árvore – que muita gente acha que precisa fazer antes de morrer. Claro que também dá para ter um livro depois de morrer, mas até hoje ninguém me sondou sobre como publicar um livro póstumo.
Imagem: Este é um dos cadernos que James Joyce utilizou para escrever o seu Ulisses. O livro foi recusado pela Hogarth Press, editora do casal Leonard e Virginia Woolf. A respeito do livro, a escritora anotou no seu diário: “Terminei o Ulisses e acho que ele falhou. Gênio eu acho que ele tem; porém é de um nível inferior”.