O escritor argentino Jorge Luis Borges costumava dizer que o paraíso só poderia ser um lugar parecido com uma biblioteca. Sentimental, ele acreditava que entre as tantas prateleiras estavam todos os mundos possíveis. Assim descreveu o universo em “Biblioteca de Babel”, espécie de conto-síntese do pensamento borgeano. Entretanto, o que esqueceu – ou não mencionou, pois conhecia como poucos os segredos que rondam os livros – é que não existiriam as bibliotecas não fosse quem publicasse os livros.
Em algumas vezes invisíveis, e em outras uma chancela de qualidade para as obras que compõem seu catálogo, as editoras são peças-chave ao longo de toda a vida de um leitor. E são inúmeros os profissionais envolvidos na produção de um livro que é, praticamente, impossível acreditar na máxima de que a leitura é uma ação solitária. Ler é, antes de tudo, uma experiência cheia de mistérios e encantamentos compartilhados por todos os elos dessa grande corrente.
A série “A arte de fazer livros” apresentará as etapas e as pessoas que estão por trás de uma obra literária. Muito mais que um momento de inspiração ou uma ideia singular, o livro que chega às mãos do leitor é fruto de um trabalho intenso e apaixonado, que demanda tempo e dedicação. Se nesse itinerário o autor pode ser o ponto de partida, antes de chegar ao final – o leitor –, é preciso passar por muitas estações: da escolha do editor à tradução, da preparação de texto à revisão, da ilustração à concepção da capa… e assim por diante. É um longo caminho.
Escrever, publicar e ler são verbos diferentes, mas que funcionam apenas quando conjugados no mesmo tempo – o tal “tempo versátil que brinca com a gente”, como conta André, o narrador de Lavoura arcaica. Por isso, no momento em que as relações pessoais dão lugar ao algoritmo – e o livreiro é trocado pelo campo de busca num site –, a literatura precisa retomar o seu papel de ampliar horizontes e desnublar o olhar.
Nessa perspectiva, a série surge com a proposta de esmiuçar e de aproximar. Para Marcelo Del’Anhol, editor da Olho de Vidro, o segredo está na valorização do livro e na desmitificação dos processos. “Eu vejo que tem muita curiosidade do leitor por saber questões dos bastidores, como foi a produção do livro, por que o autor teve certa ideia, por que a editora fez assim ou assado”, explica.
Se, como diz o crítico e romancista José Castello, escrever é o ofício da imaginação, produzir um livro é arte da teimosia e da transgressão. É oscilar entre ser afeto e estar aflito, ou, como nas palavras de Ênio Silveira, um dos mais emblemáticos editores do país, buscar o equilíbrio entre o feijão e o sonho – entre a realidade e o desejo. O certo é que, na verdade, não há teoria que explique uma paixão.
Também podemos enxergar a literatura tal qual um museu, não somente como colecionador de reflexões e impressões sobre o passado, mas capaz de pensar e propor um projeto de futuro. A literatura é, portanto, um agente de mudança. “Acredito muito na transformação das pessoas ou de um país por meio de uma educação emancipadora, que não se alcança sem a leitura do mundo e dos livros”, comenta o editor, que criou a Olho de Vidro em 2017.
Mais que nunca, a literatura existe não apenas para ser lida, mas para ser vivida completa e intensamente. Todos os dias.