Em tempos idos de meu magistério em Letras, sempre me causou espécie a justificativa de alguns alunos para a escolha do curso: “É porque detesto matemática!”. Esquecendo a modéstia, devo confessar que sempre fui excelente aluna em números, equações e pensamento lógico. Mas a paixão pela literatura arrastou-me às letras.
Ainda sou boa em cálculos. Sei fazer contas de cabeça (atualmente, essa qualidade é um espanto!), sei calcular porcentagem sem calculadoras e brincar de regra de três. Consigo com facilidade ler gráficos e interpretar estatísticas. Curiosíssima, sempre estou à procura de informações e notícias sobre descobertas científicas. A tecnologia me deixa sempre boquiaberta, mas me derrota quase sempre; no entanto, não desisto, porque um dia ela reconhecerá minha profunda admiração e me piscará um olho amigável.
Só não consegui até hoje calcular o quanto de livros possuo (entre oito e nove mil talvez; ou dez, seis, doze mil?). Só sei que evito contar para não sofrer do mal de Babel: construir pilhas de livros que se elevem acima das neblinas da capacidade pagadora, da potência visual dos olhos e das voltas dadas pelos ponteiros do relógio da vida. À medida que o tempo se esvai, calculo que faltarão dias para os livros que acumulei ao longo da fecunda maturidade para ler vagarosamente na aposentadoria.
Por razões de uma simplicidade vegana: na fila (ou pilhas) dos livros à espera de leitura intrometem-se – caprichosos e ousados – volumes e mais volumes cheirando a tinta nova. São presentes ou objetos de desejos avassaladores ou sugestões de amigos ou atendem a necessidade de pesquisas recentes… Todos atestam uma provável dispersão ou inescapável esquecimento. A fase de releituras, tão aguardada no tempo da profissão ativa, submerge nesta avalanche de novos livros, que desce montanha abaixo da produção esbanjadora e avassaladora das máquinas de imprimir. Somam-se a eles os arquivos digitais que consomem os bytes de meu e-reader.
Que cálculos posso fazer nessas circunstâncias?
Avalio, por exemplo, a relação páginas-minutos de leitura e crio a primeira regra de três: se tenho tantos volumes com x páginas e leio x páginas por hora, quantas horas precisarei para ler os livros empilhados na estante de espera número um? Resultado inevitável: “Céus, não vai dar tempo!”.
Se hoje tenho tantos (inconfessáveis) anos de vida, quantos ainda serão necessários para dar conta da segunda estante de espera? Se durmo, passeio, viajo, preparo a comida, cuido da casa, converso, quantas horas me sobram para ler?
Quando consigo, enfim, transferir alguns exemplares das estantes de espera para a biblioteca dos “já lidos”, o telefone emite um toque de alvíssaras. É o porteiro do prédio a me avisar que chegou um novo pacote de livros. E tal qual uma adolescente faminta e sem livros, tomo às pressas o elevador, o coração batendo mais forte, e com descuidada alegria recebo os novos habitantes da estante de espera número três.
Ah, fosse eu uma gata com sete vidas, poderia ler sete vezes mais livros!
Nesta equação de 3º grau, esquema de cálculo da vida que me resta, conheço de antemão o resultado: não vai dar tempo! Prevejo meu funeral: nada de flores, só livros! Nada de mãos cruzadas sobre o peito: elas estarão segurando em sua fria rigidez um livro aberto, talvez de poesia. E na face serena, ajustados e imprescindíveis, os óculos, que me permitiram e permitem o acesso às letras impressas, por menores que sejam. Somados óculos e livros, seguirei em paz, com a certeza de que, mesmo excluída da companhia dos mortais, os livros se multiplicarão sobre a Terra. Meus netos herdarão as estantes e a espera, na equação nova que construirão e decifrarão.
Imagem: a obra Torre de Babel, feita com 30 mil volumes de todas as partes do mundo, foi criada pela artista Marta Minujín em 2011, quando Buenos Aires foi considerada a Capital Mundial do Livro.