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Domingo

André seria o primeiro a chegar ao horto; viria com as crianças, todas com aqueles olhos azuis de doer os nossos ao mirá-los, a calmaria de lagos, mas no fundo o agito dos oceanos: os três já estavam na idade de perguntar tudo, e espalhavam, como conchas, o constrangimento por onde passavam. Depois, seria a vez de Pedro e a menina, os dois quase não falavam, às vezes doía ouvir o silêncio deles, se não fosse o ruído do motor do carro se acercando, ninguém diria que teriam vindo, mas sim se materializado de repente no meio da família. Logo saberíamos, pelo latido dos cachorros, que Marcos tinha chegado, trazia-os na caçamba da caminhonete e, mal abria a portinhola, eles já saíam correndo, famintos pelas larguezas do campo. João viria em seguida, sempre solteiro, no seu carro esportivo, mas com alguma nova companhia, o que costumava gerar incômodo, apesar de ser um estímulo às boas maneiras. Não tardaria também para a moto de Madalena encostar à sombra do flamboaiã, e ela descer falando alto, enfiada numa daquelas calças jeans apertadíssimas, que nós reprovávamos, os óculos escuros nos refletindo na varanda, as crianças brincando sem saber que a vida nelas já ia envelhecendo, todos os meus filhos bebendo seus drinques, felizes pelo momento de leveza. Era um conforto tê-los por perto, com suas virtudes e seus defeitos, muitos dos quais herdados de nós mesmos. Tão logo fôssemos à mesa, Maria sentaria ao meu lado, e eu ocuparia a cabeceira e abriria um sorriso, como das outras vezes, um sorriso que dizia, Tudo termina. E era justamente por estar lá com eles, vivendo mais um encontro finito, que eu sorriria.

(Esse texto está no belíssimo livro Amores mínimos, da editora Record. A sua publicação neste blog foi gentilmente autorizada pelo autor.)

Imagem: Nadine Bekavak.